A festejada carta política de 1988 traduziu significativa mudança na estratégia de Proteção Social no Estado Democrático e Garantidor que se insurgia. Neste diapasão estabeleceu-se o sistema integrado de proteção social, denominado “Seguridade Social”, o qual compreende ações integradas para saúde, previdência e assistência social.
O referido “Sistema”, disposto no título VIII, capítulo II da constituição de 1988, acuradamente analisado pela doutrina, com destaque para a obra de Wagner Balera1, reflete a intenção do constituinte de traçar ações para a Proteção Social destas três vertentes escolhidas para o sistema de Seguridade Social.
Para o alcance deste mister, expressamente estabeleceu o constituinte, à toda sociedade, solidariedade compulsória no financiamento em prol desse sistema integrado de proteção, devendo ser exercida nos seguintes moldes:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes
dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo
regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”.
Observamos que para o atendimento dos objetivos da sociedade, a ordem legal, com base em juízo de valor, orienta o intérprete a direcionar seu comportamento por meio de um dos modais deônticos: permitindo, proibindo ou obrigando.
A proteção da então denominada “Seguridade Social” em comento implica na participação da sociedade desde a definição das ações até o financiamento deste “projeto”, visto que o financiamento encontra-se determinado pelo dispositivo alhures transcrito e a participação vem insculpida no inciso VII “caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”, do artigo 194.
É válido ainda destacar que, com a inauguração da Constituição Federal de 1988, o constituinte também cuidou de findar a celeuma acerca de serem ou não as contribuições sociais espécies tributárias. Com a redação específica do artigo 149, remetendo ao artigo 195, e ao Sistema Tributário Nacional, corrigiu-se o amesquinhamento do conceito de tributo implícito na Constituição e expresso no Código Tributário Nacional.
Assim, o financiamento da “Seguridade Social” deve ocorrer através das contribuições sociais, com as diretrizes do artigo 195 da CF/88, acima descritas, e nos termos da lei.
Nesse cenário, a legislação infraconstitucional detalhou a contribuição social, apontada sobre diversas vertentes no artigo 195 (folha de salário, faturamento, lucro, concurso de prognóstico), a fim de alimentar a tripla missão da Seguridade Social (Assistência, Previdência e Saúde).
Pois bem, em julho de 1991 surgem as leis 8212/91 e 8213/91, que disporiam respectivamente sobre a Organização da Seguridade Social e instituição do Plano de Custeio e sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.
Para as considerações propostas nestas linhas, importa destacar que em verdade o diploma da lei 8212/91, previu a contribuição dos trabalhadores, do empregador, a contribuição sobre a folha de salários e a contribuição sobre a receita de concursos prognósticos, trazendo consigo complexas derivações (SAT, adicional do SAT, contribuições substitutivas da folha, segurado especial).
Com o denominado “plano de custeio” surgiram aquelas que se alcunharam chamar “contribuições previdenciárias”.
Na esteira da abrangência da “contribuição social”, denotada pelo artigo 195, houve ainda a implementação infraconstitucional da COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e da CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), atendendo, respectivamente, às alíneas “b” faturamento e “c” lucro do artigo 195, I da CF/88.
Diante do emaranhando de exações que correspondem à “contribuição social” do artigo 195, I, merece destaque a sugestão encontrada na doutrina suscitando a conversão de uma “Única Contribuição Social do Empregador” em artigo do aclamado professor tributarista Geraldo Ataliba2.
Convém apontar que a norma constitucional de 1988 deparou-se com exação já existente que atendiam ao escopo social, como era o caso do Finsocial, criado com o decreto-lei 1940/82, que impôs revisão e análise à luz do artigo 195 e demais dispositivos da constituição de 1988, sendo posteriormente substituído ou transformado na Cofins.
Ainda é relevante observar que a LC 70/91, instituidora da COFINS (espécie decorrente do faturamento), em seu artigo 1º mantém no plano de validade outras contribuições já existentes no ordenamento pátrio em momento anterior à carta política de 1988, destinadas a “finalidades sociais”, sendo elas: PIS - Programa de Integração Social e o PASEP - Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público,
instituídas pelas LC 07 e 08 de 1970.
Parte da arrecadação do PIS/PASEP atualmente se destina ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, ao Seguro Desemprego e ao Abono Salarial (modalidade na qual se discute a ausência de caráter assistencial) e ainda para ações orçamentárias que financiam projetos de qualificação de mão de obra, promovidos pelo Ministério do Trabalho, que destina as verbas a prefeituras e governos.
2 Ataliba, Geraldo. “Única Contribuição Social do Empregador”. Revista Direito Administrativo. Rio de janeiro – 1993 ;
Como se vê, o ordenamento atendendo ao mandamento constitucional dispôs de diversos ingressos destinados ao intento da Seguridade Social, e manteve outros, sendo importante destacar que referidas exações sempre se mostram destinadas a tripla missão deste “Sistema de Seguridade Social”, qual seja, o atendimento da Saúde, Assistência Social e da Previdência Social.
Entretanto, não há QUALQUER dispositivo legal que direcione os valores arrecadados diretamente à Previdência Social para o pagamento dos “benefícios previdenciários”.
Válidas as advertências lançadas na obra de Ricardo Pires Calciolari3 que, pela riqueza de informações estatísticas obtidas das instituições governamentais, revelam o que se pretende alertar.
Não obstante, seja em razão de leitura equivocadamente realizada, muitas vezes pelos estudiosos do tema ou divulgada arbitrariamente, seja pelo vício do costume ao se entender que as contribuições previdenciárias estariam atreladas diretamente à Previdência Social, tal confusão acaba por apontar, em nosso entender, importante constatação: a de que não há transparência ou clareza da destinação das contribuições sociais para a Seguridade Social.
O despertar dessa constatação suscita uma avaliação mais detida sobre os reflexos da ausência de transparência e, especialmente, se o Estado Brasileiro encontra-se bem orientado e no caminho adequado para o atendimento do objetivo maior lançado com o Sistema de Seguridade Social, o bem-estar da sociedade.
Bibliografia:
BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 2006;
3 Calciolari, Ricardo Pires. O Orçamento da Seguridade Social e a Efetividade dos Direitos Social. Editora Juruá – Paraná – 2012.
______________.Artigo: Contribuições Sociais. Caderno de Extensão Universitária e Editora Resenha Tributária – São Paulo – 1992;
ATALIBA, Geraldo. Artigo:“Única Contribuição Social do Empregador”. Revista Direito Administrativo. Rio de janeiro – 1993;
CALCIOLARI, Ricardo Pires. O Orçamento da Seguridade Social e a Efetividade dos Direitos Social. Editora Juruá – Paraná – 2012;
*Karina Alves – Formada pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul, especialista em Direito Constitucional. Mestranda em direito previdenciário pela PUC/SP. Monitora/assistente na PUC/SP na disciplina de direito previdenciário, lecionou na disciplina de direito do trabalho na
faculdade Anhanguera/SP e nas disciplinas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário no curso preparatório Resultado Taubaté/SP.
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